domingo, novembro 13, 2005

Concepção totalitária da escola


A educação para a cidadania implica que a escola seja cada vez mais um espaço de liberdade em que se transmitem aos alunos as competências para fazerem escolhas pessoais nos mais diversos domínios da vida, preparando-os para saber aceitar e saber recusar diferentes opções que lhes irão ser colocadas quando saírem da escola.

Aprende-se a escolher, escolhendo. Aprende-se a rejeitar, rejeitando. Aprende-se a viver, vivendo.

Tal objectivo da escola é completamente incompatível com a estruturação dum espaço rígido, cheio de regras a cumprir, sem tempo nem possibilidade para se optar, para se escolher.
O conceito de escola enquanto organização de horários rígidos, em que tudo o que acontece é programado, planeado ao milímetro, em que todo o tempo é estruturado de forma a que o aluno apenas tem de olhar para o relógio para saber onde deve estar e o que deve estar a fazer em cada momento, é uma concepção não duma escola criadora de cidadãos intervenientes em democracia, mas a concepção duma escola formadora de resignados, amorfos, inaptos para as opções que a cidadania plena impõe.

Não é, ao fim e ao cabo, nada mais do que uma concepção totalitária da escola.

A escola, como instiuição, regula cada passo, cada movimento, e, no limite, cada pensamento de cada indivíduo, neste caso, revertendo-se a pedagogia, à teoria do homúnculo.

Se nos lembrarmos um pouco do nosso tempo de alunos, por certo recordaremos que muito do que na escola nos foi ensinado para a vida, não o aprendemos nas salas de aula, nem nas salas de estudo...aprendemos nos espaços informais de convívio com os nossos colegas, com os nossos amigos. Foi em grande medida nesses espaços que construímos a nossa personalidade.

O tempo-espaço, nas escolas, de simples convívio, de relaxante "não fazer nada", é fundamental para a socialização dos alunos! E se tais espaços e tempos não são encontraods nas escolas, eles serão procurados e encontrados fora da escola, seja no café, no parque, ou em locais menos adequados .

Vem tudo isto a propósito da obsessão da Srª Ministra de não querer alunos nos pátios.

Para ela, estando na escola, o aluno tem obrigatoriamente de estar a fazer alguma coisa prevista no regulamento, ou em sala de estudo, ou em sala de aula, ou em biblioteca. Sentado, (ou de pé) simplesmente no pátio a conversar com os colegas, passou a ser crime!

A vida pessoal da Srª Ministra, não é (nem tem de ser, óbviamente) do domínio público.
Mas como o não é, assiste-me o direito de a imaginar, tendo como base para esta imaginação a incongruência so seu pensamento relativamente às necessidades de socialização dos nossas crianças e adolescentes. É, pois, assim que a imagino:

A Srª Ministra não casou, e também não tem filhos. Portanto o que conhece sobre crianças é o que tem visto em filmes, em fotografias, ouvido contar e lido em alguns(poucos) livros. Não faz a mínima ideia de como é para as crianças e em especial para os pré-adolescentes e adolescentes, importante o estar uns com os outros mesmo que seja sem "estarem a fazer nada" muitas vezes, só a trocar ideias.
Nunca teve um filho ou filha a pedir-lhe para ir passar o dia ou a noite a casa duma ou dum amigo.
Nunca soube o que significa negar-lhe tal possibilidade, mesmo sabendo da "inutilidade educativa"(?!) da tal ida a casa da amiga(o).

E é por isso que, sabendo apenas que existem "filhos dos homens e das mulheres", e desconhecemndo o que é ser criança ou adolescente, a srª Ministra, imagina, a escola como uma empresa onde se transmite educação, preenchendo os espaços ainda vazios dos homúnculos, da mesma forma em que numa fábrica se enchem garrafas de sumo. Todo o tempo tem de ser "produtivo", criatividade é para os "designers".

Falta agora o culminar da sua política de regulamentarismo das escolas.

Que espera sua Exª para decidir sobre o modelo de uniforme dos alunos?

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