Há precisamente um ano, numa altura em que o governo através de uma intensa campanha de marketing, procurava “vender” a ideia de que a abertura do ano lectivo se caracterizava pela normalidade e estabilidade, o PCP afirmou que as decisões que o governo vinha a tomar, não só não resolveriam nenhum dos muitos problemas de que padece o nosso sistema educativo, como iriam criar níveis de instabilidade propícios ao crescimento do insucesso e à falta de qualidade do sucesso. Mais uma vez tínhamos razão. O ano lectivo começou mal e acabou pior.
Sem que o governo tenha procurado entender as razões do protesto de professores, pais e alunos e muito menos tenha tomado as medidas necessárias para combater a crise que se vive no sistema educativo, o actual discurso do governo, apesar de algumas diferenças por razões de táctica política, mantém-se no essencial.
Estaríamos perante uma cópia integral do que foi dito na abertura do ano lectivo 2005/2006 se não fossem as referências ao valor social da profissão de professor, à decisão de atribuir um prémio «ao melhor professor do ano» e as preocupações da Ministra com os salários dos professores mais jovens, discurso que não deve ser levado a sério porque tem origem nos mesmos que andaram 18 meses a denegrir a profissão docente na opinião pública, a transformar os professores nos únicos responsáveis pelos níveis de insucesso escolar e de abandono precoce e que acabaram com os estágios remunerados.
Nos últimos dias ficámos a saber que para o Ministério da Educação ter 90% dos professores colocados e as escolas em condições técnicas de funcionamento, eram condições suficientes para garantir o sucesso escolar. Mas não é assim e o ministério sabe-o bem como fica claro quando lava as mãos como Pilatos, transferindo para outros, entenda-se os professores, alunos e agora também as autarquias, as responsabilidades de tudo o que de mal vier a acontecer durante o ano lectivo.
Para o PCP não há nem normalidade nem estabilidade na abertura do ano lectivo, desde logo porque o governo tomou um conjunto de medidas que vão agravar ainda mais a instabilidade no corpo docente com consequências no processo ensino/aprendizagem, nas motivações dos alunos e na vida das famílias.
Como é possível ter estabilidade e sucesso, quando na abertura do ano lectivo os professores estão confrontados com um processo de colocação marcado por inúmeros erros, irregularidades e ilegalidades que estão a provocar numerosas injustiças e estão a levar a uma profunda indignação por parte destes? Do concurso fica a revolta que vivem os professores silenciada pela indiferença dos responsáveis do Ministério da Educação. Ficam 1500 lugares por preencher porque desapareceram misteriosamente em concurso. Ficam os erros, as ilegalidades e as irregularidades não corrigidas. Ficam as confusões decorrentes da reestruturação dos grupos de recrutamento, com especial incidência nos de Educação Tecnológica, de Português e Francês ou no Direito e Economia. Deste concurso fica o clima de instabilidade que hoje marca o exercício da profissão docente. Fica a insatisfação dos professores. Fica a perturbação introduzida nas escolas pelo ME. Fica uma grande tristeza que antecipa para Setembro o cansaço que naturalmente deveria surgir só no final do ano lectivo.
Como é possível ter estabilidade e sucesso, quando está em curso um processo de encerramento, por agora, de cerca de 1500 escolas do 1º Ciclo do Básico sem que a lista definitiva seja ainda hoje conhecida e quando se sabe que uma grande parte dos problemas que vão surgir com a transferência dos alunos para as escolas de acolhimento, não estão ultrapassados? A decisão de encerrar estas escolas, a sua grande maioria no mundo rural, não se desliga de uma opção sustentada na tese “se não existir nada, então justifica-se que nada exista”.
A Ministra da Educação confrontada já nestes primeiros dias com as consequências de uma medida irresponsável, tomada apenas por razões economicistas, vem agora dizer que a responsabilidade do encerramento das escolas não é do governo mas das autarquias, quando durante meses as Direcções Regionais de Educação andaram a pressionar as autarquias para que estas encerrassem as escolas e assumissem a responsabilidade de resolverem os problemas logísticos como as obras nas escolas de acolhimento, os transportes escolares e a alimentação.
Veja-se por exemplo o que está acontecer na escola do Seixo no concelho de Sernancelhe e na escola de Arnas no concelho de Moimenta da Beira, ambas encerradas, com os alunos a serem divididos por outras escolas. Os pais foram informados no primeiro caso na missa e no segundo pelo presidente da Junta, de que os alunos teriam de levar pratos, talheres e copos para poderem almoçar. Ou como em Arouca onde foram encerradas 15 escolas e agora uma parte dos miúdos estão a ser instalados em contentores, onde chove, sem ligação à escola, ou ainda, no caso da EB1 de Arouca com mais 50% de turmas do que salas disponíveis (oito), estando os alunos a ser transferidos para as instalações de uma Associação local onde não existem mesas e cadeiras. Também em Sernancelhe, os alunos, para almoçar, são obrigados a levar a loiça de casa e, mais grave ainda, pretende-se que almocem na sala de aula. Perante a recusa dos pais em aceitar respostas tão desqualificadas, responsáveis do Ministério da Educação ameaçam com o envio de forças policiais para, dizem, impor a legalidade.
São apenas alguns exemplos dos muitos que estão sinalizados em todo o País cuja solução não passa por suspender por um ano a aplicação da decisão de encerrar, mas por uma abordagem séria da reorganização do parque escolar tendo em conta critérios pedagógicos, de desenvolvimento local, que não interrompa o diálogo intergeracional fundamental para manter a identidade cultural de um povo, com a preocupação do Estado ter um papel regulador, mantendo a unidade do sistema sem procurar uniformizá-lo.
Como é possível ter estabilidade e sucesso quando são conhecidas as graves lacunas no plano da estrutura e conteúdos curriculares, como está a acontecer particularmente com o 1º e 3º Ciclo do Básico e com o Secundário, neste último caso com graves incidências no percurso dos alunos que continuam os estudos no ensino superior? Conforme o PCP denunciou em momentos anteriores, a prática tem vindo a demonstrar que a actual estrutura curricular do Ensino Secundário não serve os interesses dos jovens ou do País e, ao invés de permitir um melhor sucesso escolar e educativo, esta estrutura é geradora de mais insucesso e abandono escolar. A flexibilidade e hipótese de escolha das disciplinas são mera aparência, sendo a realidade muito diferente: as escolhas das disciplinas são condicionadas aos números mínimos de alunos exigidos pelo Ministério da Educação para a respectiva abertura. Por outro lado, denunciamos como extremamente negativa a possibilidade de acesso ao Ensino Superior sem a obrigatoriedade de frequência e aprovação no 12º ano de disciplinas fundamentais aos vários cursos – exemplo, como Física, Química, Literatura Portuguesa, etc..
Como é possível ter estabilidade e sucesso quando, por uma mera medida administrativa, os alunos com necessidades educativas especiais de carácter prolongado (conceito inadequado e restritivo, que o M.E. insiste em usar) passam de 65.000 (ano lectivo de 2005/2006) para 25.000 (ano lectivo de 2006/2007)? Bem pode o ME justificar a medida, dizendo que se chegou a este número por uma sinalização mais rigorosa e pela aplicação de taxas de incidência científicas, quando as verdadeiras razões são de ordem economicista como se pode comprovar na brutal redução de mais de 50% no número de docentes de Educação Especial, de mais de 7.000 do anterior ano lectivo para cerca de 3.500 no actual.
Como é possível ter estabilidade e sucesso, quando estudos credíveis apontam como uma das principais causas do insucesso e abandono escolares as difíceis condições socio-económicas da esmagadora maioria das famílias portuguesas, situação que tem vindo a piorar como os dados recentes sobre o endividamento das famílias confirmam? Não só não é possível, como a manutenção deste modelo educativo por muito mais tempo, trará danos irreversíveis às novas gerações no plano das qualificações e competências e ao País, nos planos económico e social.
Estamos convictos que, ao longo do ano lectivo, a vida vai, infelizmente, encarregar-se de confirmar a análise que o PCP faz da situação de crise que se vive na Educação e da demagogia que percorre todo o discurso do governo na abertura do ano lectivo. Uma análise que incorpora desde logo a consideração de que a reestruturação em curso do Sistema Educativo, mesmo sem que tenha sido aberto qualquer processo de revisão substancial da Lei de Bases, se enquadra num processo mais global que está em curso na União Europeia e que recebeu um forte impulso com a cimeira de Lisboa de 2000, a qual tem como um dos objectivos mais importantes a alcançar, colocar a educação e o ensino sob o controlo e ao serviço do capital europeu, tendo em vista gerir as necessidades de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho, consoante a divisão internacional ditada pelo capital nesse espaço Europeu, independentemente da identidade e interesses próprios de cada um dos seus estados membros.
Marca também, negativamente, este início de ano lectivo, a tentativa do ME/Governo de desvalorizar social e material e profissionalmente os educadores e professores, visível no projecto de revisão do Estatuto da Carreira Docente que apresentou. Sem uma negociação efectiva, o ME pretende impor uma redução real dos salários e usufruir ao longo de toda a carreira e a redução ou mesmo eliminação de direitos fundamentais de cidadania, como sejam o direito à protecção na doença ou beneficiar, sem consequências na carreira, de licença de Maternidade.
Hoje a política educativa em Portugal é definida em função das estatísticas, resumindo-se à gestão do parque escolar e dos recursos humanos (professores) numa perspectiva economicista e do aumento do número de diplomas a qualquer preço. O aumento do financiamento das escolas privadas com dinheiros públicos, a crescente desresponsabilização do Estado face às suas responsabilidades constitucionais nesta área, abrindo espaço para a intervenção do sector privado, as barreiras cada vez mais evidentes no acesso e sucesso escolares que são colocadas aos jovens oriundos das classes mais desfavorecidas, tornando o sistema cada vez mais elitista, são componentes fundamentais das mudanças que se estão a verificar.
O PCP reafirma a necessidade de se orientar o nosso Sistema Educativo de acordo com o interesse nacional, incorporando desde logo o princípio de que investir em Educação é investir no País e não, como tem vindo a acontecer, considerar este investimento como mais uma despesa. Um Sistema Educativo que prepare os homens e as mulheres de amanhã numa perspectiva integral de formação e não apenas a pensar no mercado de trabalho. Um Sistema Educativo que integre uma escola que combata as desigualdades económicas e sociais, que dê aos alunos, a todos os alunos, iguais oportunidades e os apoios necessários para que tenham sucesso escolar e educativo.