quinta-feira, dezembro 07, 2006

Um texto de Santana Castilho

"Gracias profesorado, sin vosotros no seria posible"

06.11.2006, Santana Castilho

Àepígrafe subjaz uma das muitas diferenças que explicam como, tão perto, estamos tão longe. Foi escolhida pela Consejeria de Educación da Junta deAndalucia, da vizinha Espanha, para lema de uma campanha na imprensa, rádioe televisão, visando prestigiar, reconhecer e valorizar socialmente a profissão de professor.A Consejeria está para o governo autonómico da Andaluzia como o nossoMinistério da Educação está para o governo do país. A sua titular,consejera(ministra) Cândida Martinez, considerou o conjunto dos 112.000 professoressob sua tutela "o elemento central do sistema educativo" e quis, com estacampanha, "agradecer em nome de toda a sociedade o trabalho que, em cadadia, realizam estes docentes" nas suas escolas. É caso para dizer, ironicamente: lá, como cá! Lá, 20 anos de adesão àEuropatransformaram a Espanha numa das 10 maiores economias mundiais e 45 milhõesde habitantes em cidadãos. Apesar do atraso, da presença de nações distintas e dos antagonismos linguísticos. Aqui, primeiro-ministro, ministra daEducação e sequazes, tudo têm feito para dividir os 10 milhões de habitantesem bons e maus, produtivos e vilões. Porque a cidadania é escassa, o populismo destes pequenos políticos resulta e espelha-se nos fóruns da TSF eAntena 1, nos correios dos leitores da imprensa escrita e nos comentáriosdos blogues. Os professores são hoje, infelizmente, para muitos portugueses invejosos e pouco esclarecidos, os novos párias da sociedade.O anunciado prolongamento das negociações entre a plataforma sindical e oMinistério da Educação sobre o estatuto dos professores está obviamentecondenado ao insucesso. Os sindicatos reclamaram-no para não serem acusados,mais do que já são por alguns, de intransigência. O ministério aceitou-oporque a lei assim obriga. Ambos sabem que o resultado vai ser nulo. Mas o tema justifica algumas considerações, entre tantas possíveis, que ofereço àreflexão de quem pensa que os sindicatos não passam de forças de bloqueio eos professores de desavergonhados privilegiados.Para reunir cerca de 30.000, vindos de todo o país em dia feriado, econseguir uma adesão da ordem dos 80 por cento a dois dias de greve, tem dehaver um número esmagador e bem superior de professores descontentes. Estarealidade está bem para além da influência do PCP ou dos sindicatos. Significa uma ruptura absolutamente única entre o corpo docente e oMinistério da Educação.Pouco importa que o primeiro-ministro, alardeando insensibilidade política esobranceria pessoal, fale de humor quando devia aproveitar, democraticamente, para reflectir sobre a natureza da mensagem. Pouco importaa boçalidade das gargalhadas da ministra quando interrogada sobre o facto.Os atentos sabem que não há concerto possível para esta política de reformas, que assenta no ataque a determinados grupos profissionais,instigando terceiros contra os "privilégios" por aqueles adquiridos.Falemos de "privilégios". Qual é o vencimento liquido dos professores, depois de 16 anos de estudo, pelo menos, a que acrescem formações periódicasobrigatórias, pós-graduações, mestrados e doutoramentos em número jásignificativo, pagos do próprio bolso? Em inicio de carreira são cerca de 760 euros, 1000 ao fim de 13 anos de serviço, 1400 ao fim de 23 anos detrabalho. Com 30 anos de serviço chegam aos 1700 euros. Será istoescandaloso?O impacto da diminuição salarial proposta pelo Ministério da Educação, projectada ao longo da carreira, chega a atingir verbas da ordem dos 300.000euros. Não deverão os professores lutar por estes "direitos adquiridos"?Para justificar esta rapina, os novos justiceiros falam de justiça social. Estranha maneira de fazer justiça, radicada no cortar, no diminuir e novilipendiar os que já têm algo. Por que não escolhem aumentar os que têmmenos, em vez de lhes alimentar ressentimentos? Que progresso é o deste país, que anda para trás em nome da justiça social?Qualquer professor tem 35 horas de serviço semanal, como qualquerfuncionário público. As 13 dessas horas que não são de aulas sãoinsuficientes para realizar as tarefas que cabem a um professor. Por favor, peço aos portugueses mais distraídos que façam alguns exercícios fáceis.Estejam atentos ao próximo teste que os vossos filhos levem para casa.Leiam-no e reescrevam as anotações que os professores lá exararam. Pensem que ter 200 alunos é uma média corrente. Se o professor fizer dois testespor período e gastar 15 minutos a corrigir cada um, necessitará de 100horas. Quer isto dizer que lhe sobram 50 horas, nesse período de três meses, para reuniões na escola, preparar lições, atender pais, etc., etc. Onde vaiesse tempo?Por favor, preencham duzentas daquelas fichas idiotas que os professores têmque preencher. Cronometrem o tempo.Experimentem um só dia espreitar para o interior de uma escola, daquelas em cujas imediações a policia apreendeu, desde o inicio do ano lectivo, 1159doses de heroína, 1406 de cocaína e 3358 de haxixe. Não falhem uma daquelasonde há rapazinhos com pulseiras electrónicas no tornozelo.Se não mudarem as ideias sobre os privilégios dos professores, digam-me, queeu sugiro mais exercícios, de tantos que poderão clarificar o que é serprofessor, hoje, em Portugal. Professor do ensino superior

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